Discutir a qualidade na educação superior implica em reflexões sobre o próprio termo “qualidade” devido a sua multiplicidade quando se trata de formação, em reta final, para o mundo do trabalho. Para iniciar esta breve conversa fez-se necessário recorrer ao conceito específico de qualidade posto nos diversos dicionários, cuja sincronia, “afirma que qualidade é um atributo ou condição natural das coisas ou das pessoas, capazes de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza.” Tratando-se de educação esse conceito possibilita uma gama de interpretações por se tratar, não especificamente de um processo natural, mas de escolhas que muitas vezes tenta corresponder à necessidade de uma formação que atenda a lógica do mercado de trabalho e da própria luta pela sobrevivência. Na Educação Superior a qualidade pode ser entendida como o domínio eficaz de uma gama de conteúdos oferecidos nas respectivas áreas de formação e na própria eficiência de sua aplicabilidade com espírito de resiliência e pro-atividade. Nesse sentido, a qualidade pode estar intrinsecamente relacionada ao desenvolvimento de capacidades que atenda ao setor produtivo na lógica do mercado. Noutro, a qualidade pode estar vinculada à promoção de um espírito crítico da realidade social e da própria formação que se pretende, fornecendo uma dialeticidade que favoreça uma transformação da realidade social e dos processos culturais que envolve os indivíduos no mundo do trabalho.
No espaço das IES – Instituições de Ensino Superior, o conceito de qualidade passa necessariamente pela especificidade de cada uma, conforme estabelecido pela natureza filosófica e pelo marco epistemológico, que norteia a missão institucional e a consonância de cada área de formação profissional nela instituída. Nessa linha de raciocínio a autonomia acadêmica não deve permitir aspectos ingerênciais e impeditivos na formação acadêmica e produções científicas. Evidentemente que essas formações e produções, nas mais diversas áreas de atuação profissional, visa uma disputa concorrencial e acirrada por ofertas de trabalho do mundo corporativo ou até de atividades “autônomas”. Entretanto, elas não podem prescindir de autonomia em relação aos conceitos e programas de qualidade oriundos do mundo corporativo. Estes nem sempre visam uma melhoria de qualidade de vida que atenda as demandas coletivas. Daí a necessidade de autonomia das academias que leve a uma formação não somente de qualidade técnica, mas, também com qualidade política, uma vez que a ideia de qualidade não é neutra, podendo assim, ser usada como forma de equilíbrio de poder entre os diversos atores sociais.
Outro fator que não se pode ignorar é a estreita relação entre qualidade e quantidade. Se consideramos que na lógica capitalista o trabalho realizado por homens e mulheres é transformado em mercadoria e a qualidade dessa mercadoria é medida pela formação profissional oriunda da educação superior isso vai significar, conforme afirma o professor Pedro Demo (1994) que, em sendo a qualidade produto da ação humana, a quantidade enquanto produto ou força de trabalho, advém dessa ação. Entretanto, não se trata apenas da qualidade humana como bom produto (mercadoria) mas do seu resultado quantitativo em produtos, seja ele de qualquer natureza a ser consumido na vida cotidiana das pessoas.
Dessa lógica advém a qualidade formal, adquirida na formação profissional das IES, através de quadros docentes de excelência e de laboratórios e equipamentos que garantam essa formação com habilidades de manejar os meios de produção diante dos desafios do desenvolvimento das novas tecnologias. É preciso que para além dessas competências técnicas as Academias formem cidadãs e cidadãos com qualidade política. E aqui há que se considerar que a política, conforme afirma Aristóteles é a mais importante de todas as ciências, pois dela deriva o desenvolvimento das demais, sendo assim indispensável, também, uma formação de sujeitos históricos ativos e conscientes de seu papel social crítico e transformador.
Diante do exposto, há que se ressaltar a importância do quadro docente das IES que devem primar pela formação qualitativa de seu quadro discente. A formação e qualificação política e técnica de Educadores, são fatores determinantes para a formação de excelência do quadro discente. Nesse sentido, à formação política compete o despertamento do sentido de cidadania dos atores do processo educativo. Nenhuma formação, seja ela de qualquer área de conhecimento pode ou deve prescindir da ideia de qualidade social. O serviço à comunidade a ser prestado por esses egressos que as academias colocam no mercado de trabalho, devem reger a ética profissional cotidiana de cada um, no compromisso intermitente e incessante com a comunidade local, regional e porque não dizer, global. De nada adiantará uma formação técnica de qualidade sem a excelência humanista e humanitária que possibilite a construção de uma sociedade menos egocêntrica e mais JUSTA, IGUALITÁRIA E FRATERNA.
A universalização da cultura é, também, fator preponderante para uma formação de qualidade. Quando a grande maioria da população excluída têm acesso real à cultura, sem a pressão do mercado de trabalho, e os consequentes estímulos consumistas, a escala dos valores profissionais ganham uma dimensão mais igualitária. Uma formação superior de qualidade, além de considerar habilidades e competências dos acadêmicos ingressantes nas IES, necessitam de valorização equitativa de todas as áreas de atuação profissional. O acesso coletivo sem distinção de lugar social às várias áreas de formação devem atender as demandas sociais. Isso significa garantia de atuação aos egressos, fator incentivador na qualidade do processo de formação.
A ressignificação do conhecimento a priori que implica na qualidade política do processo educativo, não anula o conhecimento enquanto qualidade formal. Ambos devem caminhar juntos sem, contudo, dar primazia à lógica do mercado que valoriza a qualidade formal em detrimento da qualidade política. Considerar, como é da práxis neoliberal, desprezo as utopias que propõe uma a dualidade entre qualidade formal e política, não deve ser o víeis formador das IES. A qualidade política busca o resgate do exercício da cidadania do trabalhador, enquanto setor produtivo, e desenvolve lhe, também, níveis de consciência para reivindicar, participar e tomar decisões. Embora isso parece incomodar os donos do capital ou dos meios de produção, faz-se necessário entender que a humanização dos recursos materiais pela sua distribuição equitativa e coletiva não só contribui com a humanização do “Ser Humano” através de sua valorização, também qualitativa, como atende à lógica do mercado de maior circulação de bens de consumo. Isso posto em prática, pode resultar em maior empregabilidade e acessibilidade dos excluídos sociais.
Pensar e refletir o “fazer educação” é uma atitude filosófica que conduz a uma ação educativa consciente. Para que isso se efetive na prática pedagógica no espaço da sala de aula, faz-se necessário romper com os determinismos de qualquer natureza e conceber o processo ensino aprendizagem como um eterno devir e um constructo infinito em possibilidades, possível apenas com o desenvolvimento do processo científico da TESE, ANTÍTESE e SÍNTESE. Para que isso se efetive não há outro caminho senão romper com a educação bancária e reprodutivista e adotar uma educação verdadeiramente libertadora, como preconizou o professor Paulo Freire. O educador exerce um papel fundamental nessa perspectiva de tornar o discente agente da produção do conhecimento. E não há outro caminho, conforme afirma DEMO (2007) se não for pelo ensino com base na pesquisa desde a educação básica. Assim com afirma o professor Luckesi (1994), as práticas pedagógicas aplicadas pelo docente devem permitir ao educando, além do acesso aos saberes, a possibilidade de ressignificá-los, tendo o docente como mediador.
Outro fator preponderante para a formação superior de qualidade está relacionados à prática pedagógica, entendida como sendo a ação didático-metodológica do docente na sala de aula. Pensar educação de qualidade é pensar uma pedagogia comprometida com a instrumentalização do educando para a transformação da sociedade. A prática pedagógica deve ser entendida como uma prática social e política (na acepção da palavra), pois educação somente pode ser compreendida enquanto inserida num contexto histórico-social. Nesse sentido ela é reflexo e reflete a historicidade das pessoas. Daí a defesa da importância da formação pedagógica em todas as áreas de conhecimento da educação superior. Entendendo que todo profissional formado numa academia, uma dia se tornará docente, seja ele licenciado ou não, é de fundamental importância a inserção de disciplinas pedagógicas na formação superior. Entende-se que a educação como prática humana necessita de direcionamento filosófico e de uma concepção teórica. Nesse sentido ressalta-se que todos os profissionais em suas respectivas profissões, devem respeitar e reverenciar todo o arcabouço teórico de uma imensa quantidade homens e mulheres que se debruçaram no campo da pesquisa dos processos educacionais.
Finalizando os raciocínios retro expostos recorremos ao professor José Carlos Libâneo (2002), ao destacar que a Pedagogia, enquanto ciência dos processos educativos (conhecimento) tem por objetivo o estudo sistemático desses processos e suas práticas. Sendo assim:
“(…) educação é o conjunto das ações, processos, influências, estruturas, que intervém no desenvolvimento humano de indivíduos e grupos na sua relação ativa como o meio natural e social, num determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais.”
Conclui-se então com a assertiva de LIBÂNEO, que educação superior de qualidade necessita desse arcabouço teórico metodológico que possibilita aos profissionais da educação a compreensão de que não há prática social libertadora sem a devida compreensão que vivemos um antagonismo de classes, caracterizando pela exploração do trabalho humano e que a emancipação somente é possível pela educação com qualidade política.
Benedito Dominience Menezes
Professor da Faculdade ICG
Referências:
DEMO, Pedro. Ciências sociais e qualidade. São Paulo: ARTMED, 1985.
DEMO, Pedro. Educação e qualidade. São Paulo: Papirus, 1994.
DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. São Paulo: Autores Associados, 2007.
ARISTOTELES. Metafísica: Ética a Nicômaco. São Paulo: Editora Abril, 1979.
LIBANEO. J. Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Cortez, 1990.
FREIRE, Paulo. Conscientização. São Paulo: Editora Moraes, 1980